Celso Jatene

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Faz 10 anos que as primeiras casas de bingo foram abertas no Brasil. De solução para os chamados esportes olímpicos, os bingos se tornaram estopim da maior crise política do atual governo federal. Não por acaso.

Ao longo de uma década de atividade, muito foi modificado em relação ao funcionamento dessas casas – desde o direcionamento do foco de atuação até a própria legislação sobre o assunto.

As casas de bingo foram autorizadas em 6 de julho de 1993, por meio da Lei Zico. Em 1998, ela foi substituída pela Lei Pelé, que, além de manter os bingos, autorizou a exploração das máquinas de vídeo-bingo (caça-níqueis) no interior dessa casas. A partir daí, o Ministério Público passou a receber denúncias de ligação dos bingos com a contravenção.

Houve mudança nas regras do esporte e a lei, que autorizava o funcionamento da casa e seus caça-níqueis, foi revogada. O controle dos bingos passou para a Caixa Econômica Federal até 2001. Depois disso, o país ficou carente de uma legislação federal sobre as casas de jogos e passou a vigorar a "desregulamentação".

As grandes cidades viraram terra de ninguém. Os caça-níqueis, até então restritos aos bingos, tomaram conta de estabelecimentos comerciais diversos, como padarias, bares e farmácias, e se tornaram a porta de entrada do jogo para menores de idade. Era a chance tão desejada por parasitas e abutres do jogo para se instalarem em cada bairro, em cada esquina.

Com a desordem, a corda dos bingos foi esticando – até arrebentar no caso Waldomiro Diniz, em fevereiro. No dia 20 do mesmo mês, o presidente Lula editou Medida Provisória proibindo o funcionamento dos bingos e das máquinas. Era tarde: milhares de pessoas já eram dependentes dos empregos nas 1,1 mil casas no País e as máquinas caça-níqueis contaminaram diversos estabelecimentos, abrindo as portas do jogo para menores de idade.

Em meio à calorosa discussão sobre o tema, contrapondo o rastro de irregularidades com os benefícios que os bingos podem trazer, é necessário voltar à origem da atividade. A finalidade da Lei Zico, como foi dito anteriormente, era incentivar o esporte com parte da arrecadação sendo destinada para clubes e federações. De acordo com a lei, as casas eram obrigadas a destinar 7% do faturamento para o fomento de esportes olímpicos. As falhas na estrutura dos bingos começam aí.

O que deveria ser um benefício ao deficitário sistema de esporte virou a principal muleta dos empresários do jogo. Os representantes dos bingos se apóiam sobre o argumento de que algumas federações esportivas não teriam condições de formar atletas e realizar o calendário de competições nacionais e internacionais. Um dos mais celebrados desportistas do País, o iatista Robert Scheidt, hexacampeão mundial da classe laser, chegou a declarar em algumas oportunidades que, não fosse o patrocínio de um bingo, teria desistido do esporte.

Exceções à parte, a realidade é completamente diferente, comprovada por balanços financeiros das entidades esportivas. Em 2002, 80% da quantia que os bingos anunciaram ter enviado para entidades não entraram oficialmente nos cofres das entidades esportivas beneficiadas. Segundo a Abrabin (Associação Brasileira de Bingos), são repassados R$ 93 milhões para as entidades – contra R$ 18 milhões efetivamente recebidos pelo esporte.

A discrepância de valores serve de comprovação das denúncias apresentadas no final de 2002 na Câmara Municipal de São Paulo pela CPI do ISS, da qual fui membro. "O fato de quase a totalidade das Casas de Bingo investigadas e ouvidas por esta Comissão já ter sido autuada por irregularidades não só no recolhimento do ISS como também no IPTU, no alvará de funcionamento e até mesmo nos contratos com as entidades beneficentes, que recebem porcentagens irrisórias, deixa claro que muito ainda temos a investigar", diz trecho do relatório final, que apontou outras irregularidades das casas, como a falta de idoneidade dos procedimentos de aquisição dos equipamentos e componentes eletrônicos dos caça-níqueis pelas empresas locadoras.

Sendo ou não o modelo ideal, a destinação de verba dos bingos a entidades desportivas, em sua idéia original, seria uma ajuda importante. Desde que muito bem investigada a quantidade repassada para o fomento dos esportes olímpicos.

Ainda assim, retomando o funcionamento dos bingos com repasse justo de dinheiro ao esporte, é necessária uma reflexão – passível de uma segunda investigação. Os poderes públicos precisam avaliar se vale a pena correr o sério risco que representam os bingos em troca da ajuda que deles recebe para o esporte. Estima-se que o jogo movimenta R$ 500 milhões anuais no Brasil. Entretanto, pesam graves suspeitas sobre a origem desse montante, já que, segundo a polícia italiana, dinheiro sujo estaria sendo lavado em nosso País por empresas ligadas à importação e exploração das máquinas caça-níqueis, associadas a bicheiros.

Antes de reabrir os bingos e reativar o investimento do esporte por meio deles, cabe investigar o que há por trás dessas cifras e bolinhas. De sua efetivação até o cancelamento, a atividade deixou uma série de dúvidas. Por que tanto tempo sem regulamentação? Por que houve falta de fiscalização? Por que fizeram vistas grossas com a procedência das máquinas de caça-níqueis e locais de instalação das mesmas?

Quem fechou os olhos para estas e outras questões sobre os jogos de azar deveria compreender que a vida pública muito se assemelha ao jogo de xadrez – no qual você pensa, faz a estratégia e movimenta as pedras. Governar e legislar não é um jogo de búzios, para jogar conchas e esperar o resultado. Tampouco é um jogo de bingo, no qual simplesmente ganha-se ou perde-se.

Nestes 10 anos, faltou habilidade para mexer as pedras no tabuleiro. Errou-se ao deixar os bingos ao léu e erra-se ao condenar os bingos. Nem 8, nem 80. O bom-senso recomenda regulamentar e fiscalizar com rigor a prática, que tem em jogo milhares de empregos e possibilidade de fomento aos esportes olímpicos. É preciso tratar a questão com seriedade. Sempre.

 

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